O riso como muralha: uma leitura de Murilo
- Luan Barbosa

- 8 de set.
- 2 min de leitura
Quem nunca soltou uma piada no velório, ou riu de nervoso antes de uma conversa séria? O riso, nesses momentos, não é alegria — é defesa. É uma forma de segurar o peso do que não cabe.
Quando penso em Murilo, o protagonista de Cabrita da Peste, não vejo apenas um jovem ansioso, irônico, cheio de projetos engavetados. Vejo um sujeito que aprendeu cedo a se proteger com o riso. A piada, em Murilo, não é só talento ou graça natural — é muralha. Uma forma de manter a dor sob controle, como quem coloca grades em volta de uma casa cheia de rachaduras.
Freud descreveu o humor como esse mecanismo privilegiado de defesa: a psique encontra no cômico um modo de economizar dor psíquica, rebaixando a carga de afeto que poderia ser esmagadora. Não se trata de negar o sofrimento, mas de deslocá-lo, tornando-o narrável, suportável.
É isso que Murilo faz: ironiza quando sente vergonha, debocha quando a solidão ameaça, transforma em piada o que poderia ser silêncio insuportável. O humor, nele, é trincheira — mas também tradução. Ele não cala a dor, apenas a veste com outra roupa, para que possa circular sem arrombar as portas da consciência.
Em Murilo, o roteiro dentro da narrativa cumpre a mesma função do humor: uma forma híbrida de sustentar o insuportável. O que parece artifício estético é, na verdade, necessidade vital. O personagem só consegue narrar quando teatraliza. Só consegue se ouvir quando fala como se fosse outro. E esse esquema atravessa o leitor. Não como alívio ingênuo, mas como ambivalência: rir alto, chorar baixinho.
É por isso que Cabrita da Peste não é apenas engraçado. É engraçado apesar de doer. O humor, aqui, não anestesia: expõe a ferida, dá nome a ela, e nos lembra de algo essencial que Freud intuía — rir não cura, mas permite viver um pouco mais perto da verdade.
E talvez seja esse o gesto mais profundo da literatura: quando um riso provocado não é apenas efeito de estilo, mas uma convocação para encararmos as muralhas que erguemos diante da dor.
E você, o que pensa sobre?

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